domingo, 13 de dezembro de 2009

Ylaplant


A verdade, mais tola e mais simples,
mais certa e mais secreta é que me fazes falta,
esse vácuo, esse oco sem precisão ou contorno,
sem nome ou lógica.
Tu me fazes falta e me fazes carregar comigo
uma ausência indefinível e perpétua,
um esgar que é antes um tatear no vazio
do que um estender de mão em direção a algo.
Tu me fazes falta, me cavas um buraco,
pões em meu rosto um borrão que não me desfigura,
antes me torna um enigma para mim mesma.
E venho me definindo e me reconfigurando ao redor disto:
da tua falta. Sou esta que se ressente da tua ausência
sem saber mais sequer como é a tua presença,
que forma tem o teu corpo, qual o cheiro do teu hálito,
qual a cor dos teus olhos, que gosto tem a tua boca assim que despertas.
E no entanto sei disso: me fazes falta,
essa falta ampla e completa que toma o dia cada vez que me vem o teu nome,
essa falta que abre uma fresta no tempo, que suspende os ruídos do mundo,
que modifica a direção do vento e que toma o centro de mim
e ao redor da qual eu brinco de ser uma outra,
que eu inventei para parecer que continuei vivendo.



Escrito por Ticcia às 08:03 de 25.11.2009

sábado, 12 de dezembro de 2009

Baila Comigo


O dia se veste bonito,
um amarelecer de outono
e traz nas mãos
um vento que é poesia nos cabelos revoltos da menina,
saia a voar, braços a ganhar o espaço.
Ela está solta e confia no vento,
nas grandes nuvens brancas e nos pássaros
que fazem companhia alada aos seus sonhos,
aos seus pensamentos esvoaçantes,
a suas idéias em redemoinho.
A menina tem corpo de papel,
uma trança comprida cheia de laços coloridos
e vontade de alcançar o céu.
A menina desprendeu-se do chão
e navega nas transparências leves,
na claridade da tarde,
junto com as flores arrancadas das árvores.
A menina sem peso flutua rumo ao amplo,
porque ela mesma é infinita, é menina,
é seda e é pipa que escapou das mãos.


Escrito por Ticcia às 03:46 de 21.12.2004

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

sábado, 28 de novembro de 2009

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Nuloith
























A casa tem espaços desertos,
tem noite escondida e um vento
que surge de lugar nenhum.
A casa dói pelas paredes e se encolhe nos cantos,
apodrece as flores nos vasos e tranca as portas por dentro.
A casa engole o ar,
respira para dentro e vai se apequenando
como um novelo de suspiros cada vez mais curtos.
A casa quase se asfixia,
em sua insuficiência azul entrecortada
e se esparrama pelas escadas em busca de terra,
em busca de chão frio junto aos ladrilhos.
A casa não dorme,
estala madeiras e espreita ressentida
pelas frestas quem não passa pela calçada.
A casa desmorona secretamente,
esconde os brinquedos quebrados no sótão
e cospe baratas dos ralos. Aqui não mora mais ninguém.
Escrito por Ticcia às 07:18 de 11.09.2006

domingo, 8 de novembro de 2009

Cobalt


Não viverei entre cacos de vidro,
entre navalhas,
entre pontas de lança envenenadas de culpa.
O que me pertence nasce e morre comigo,
foi inventado em meus olhos
e dorme sob mechas dos meus cabelos,
se nutre do meu ventre.
Não viverei entre víboras, entre escorpiões,
entre ratos de lembrança.
Não viverei aqui, à míngua, não tenho âncora, tenho asa.
Não viverei entre lixo, entre restos,
entre escombros do teu passado.
O que sinto é profundo mas não traz em si a covardia de uma raiz fincada,
sou móvel, líquida, fluida e instável, porque viva.
Não viverei entre galhos, entre espinhos,
entre as folhas mortas do que descartaste.
Não tenho freios, tenho partidas.
Não tenho sossego, tenho ardor.
Não viverei entre areia, entre pedras,
entre abismos de promessas que se foram.
Meus trilhos se trifurcam, quadrifurcam...
e eu sigo por todos eles.
Não viverei entre miséria, água pouca, migalhas de desejo.
Minha mesa é farta e eu mesma me darei de comer.

Escrito por Ticcia às 11:30 de 31.03.2003

sábado, 7 de novembro de 2009

Livre Leve e Solta


Descubro a fome que desde sempre quis que me habitasse,
que desde sempre esperei tomar meu corpo e o seu de dentro,
uma fome que encontra saciedade e mais de si porque saciada,
uma fome que se extingue e renasce porque pôde ser extinta.
Gozo em mim a fome e gozo mais seu aplacar,
porque a possibilidade de ser aplacada a define como a fome
pela qual eu esperei por tanto tempo
faminta daquilo que não se fazia,
daquilo que de tão raso,
era o suposto inalcançável,
daquilo que de tão incompleto,
parecia a suposta completude.
Tenho enfim a fome que finda e que em si se refunda,
não para me por a procurar além,
mas para encontrar-me em mim.
Bendita seja esta fome saciada-a-saciar que me apascenta e liberta,
que me enaltece e amplia.
Encontro enfim a fome de mim mesma,
desta de mim mesma que pude vir me fazendo,
que tenho sido,
que descobri comigo desde que tu me trouxeste contigo.

Escrito por Ticcia às 04:04 de 27.08.2008

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

...Lá e Cá!!!



Sorrio e meu sorriso encerra um tempo,
um vento morno que já não sopra
para além dessas janelas.
Meu sorriso tem um tanto do que em ti me permiti sorrir
e dos sorrisos que comigo sorrias aos poucos,
em pedaços, avencas nos vasos da sacada,
canela no café com leite.
Meu sorriso ficou preso entre aquelas paredes
que tem ainda o sol das tardes de outono,
por onde passeia tua sombra por vezes sobre a minha,
prestes a te receber assim que lembrares que porta deves abrir.

Escrito por Ticcia às 05:00 de 31.05.2004

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Splash


Tenho em mim a voz do alto muro,
um escuro intrépido e faminto,
flores escondidas nas pálpebras
e habitantes mais antigos do que a própria terra.
Vou me descobrindo louca e fêmea
e em meu corpo vão sendo tecidas heras,
vão sendo abertos abismos,
vão nascendo rios.
Estranho o oculto pesar desse singular parto,
em que me perco para redescobrir minha forma,
em que nasço em partes cada vez mais claras,
cada vez mais líquidas,
cada vez mais perto do sol.


Escrito por Ticcia às 08:40 de 22.05.2007

domingo, 1 de novembro de 2009

Ardipithecus


Desde sempre, desde o início,
dos primórdios,
desde antes de qualquer outra coisa,
amei tuas mãos.
Essas mãos de promessas insuspeitas,
cada uma um hemisfério,
um território, um continente,
um oceano onde vivem peixes e moréias,
anêmonas e corais.
Amei tuas mãos e sua cor de canela,
seu toque de lã, seus gestos de força,
sua vocação de ninho e afago,
suas vontades secretas reconfigurando meus relevos,
se enchendo dos meus cabelos,
umedecendo em meus lábios.
Amei tuas mãos sobre as minhas,
conchas da minha pele,
laços dos meus dedos,
grandes pássaros cheirando às viagens que fizeram.
Amei tuas mãos cheias de memórias de outros corpos,
que voltaram para casa quando tocaram o meu.

Escrito por Ticcia às 12:56 de 19.01.2006

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Equinócios


No corpo um desassossego de formigas,
prenúncio de chuva, asas novas,
atordoamento e tempo quente.
Permeia o dia uma promessa de vésperas
e os olhos do mundo arregalados
sobre os ombros espiam os medos.
Dentro de mim há uma estranha composição de pecados,
uma secreta mistura de transgressões.
Movo-me cautelosa
como quem teme despertar uma fúria terrível,
como quem é responsável pela frágil ordem das coisas
e peço silêncio aos sobressaltos do peito.
O instante corre seu fio
e a teia do tempo tremula efêmera na fresta da perfeição.




Escrito por Ticcia às 09:01 de 21.03.2005

terça-feira, 20 de outubro de 2009

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Rubra Rosa


O que em mim supura,
ânsia em magma quente sob a pele do ventre,
povoa minha carne, poreja minha pele,
habita meus escuros.
A querença se espalha ferida viva e ostento a chaga do que me infecta,
mais como um colar que como uma vergonha.
Minha doença me transforma, me ergue e me distingue.
Sou mutante sob a pele dos dias ordinários,
prenha do que adivinho em mim e em mais ninguém
e ouço os passos do que me fará plena de alturas e picos.
Escrito por Ticcia às 03:42 de 22.09.2003

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Apex Hércules


Tudo em ti me sugere desmesura
por que em ti meus olhos ganham fundura
e contêm sistemas solares.
Em ti,
meus átomos emulam galáxias instáveis
e orbitam ao redor do teu umbigo,
centro do universo.
Olha pra mim e me banha nessa luz
que contém todas as gamas,
alfas e betas do azul radiante,
do verde profundo,
lilases aquáticos, fulguras de bronze.
Me suga pra dentro do mundo de lógica inversa
que existe no teu avesso
e me deixa navegar até os lugares
imprecisamente indicados pelo mapa da palma da tua mão.

Escrito por Ticcia às 04:06 de 29.08.2003

sexta-feira, 18 de setembro de 2009


A dor dói num espasmo
que se repete cada vez mais forte
e eu te acaricio de longe
como as sombras se espalham maiores,
conforme a tarde avança.
Te estendo minhas palavras,
meus versos,
te canto para no pó que hei de ser ainda ressoar
um tanto aos teus ouvidos cada dia mais surdos,
à tua pele cada vez mais ausente,
aos teus olhos cada instante menos meus.
Minha teia é frágil e não pretende captura.
Quero só que ela siga enroscada aos teus cabelos,
aderida às tuas roupas,
colada aos teus sapatos.
Sou um arremedo do que fomos
a desejar secretamente que minha mão sobre meu peito seja a tua,
que se abram teus olhos com meu sonho.

Escrito por Ticcia às 05:19 de 11.10.2004

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Nefertiti


Me dá tua boca, tua saliva, tua língua esquiva,
teu espesso suco, teu sumo ávido,
teu líquido ácido, teu suor salgado,
teus fluidos mornos, tuas deliqüescências.
Me dá teus transbordamentos, tua profusão,
tua incontinência, tua vastidão, teus secretos rios,
teus lençóis subterrâneos, tuas fontes repletas,
teus córregos escorregadios.
Me dá teu pântano, teu poço,
teu mar, teus charcos, tuas aguadas,
tuas vazantes, tuas chuvas, tuas torrentes,
teus mananciais. Tenho sede de desaguar.

Escrito por Ticcia às 09:42 de 22.11.2004 7

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Martinha BH


Apaixone-se por mim.
Não um amor de mesa posta, talheres de prata,
toalha de renda, não um amor de terça-feira,
água morna, gaveta arrumada.
Apaixone-se por mim no meio de uma tarde de chuva,
rua alagada, rosas na mão, um amor faminto, urgente,
latejante, um amor de carne, sangue e vazantes,
um amor inadiável de perder o rumo o prumo e o norte,
me ame um amor de morte.
Não me dê um amor adestrado que senta, deita,
rola e finge de morto, que late, lambe e dorme.
Apaixone-se felino, sorrateiramente e assim que eu me distrair,
me crave os dentes, as unhas, role comigo e perca-se em mim
e seja tão grande a ponto de me deixar perder.
Ame minhas curvas, minha vulva, minha carne,
me fecunde e se espalhe por meus versos,
meus reversos, meus entalhes.
Faça eu me sentir amada, desejada
glorificada em corpo e espírito que eu nunca soube o que é ser de alguém,
mas preciso que me ensines,
que me fales,
que me cales,
amém.

Escrito por Ticcia às 12:10 de 31.03.2004

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Encontros e despedidas


E agora
já é ontem,
o ainda agora
cinza rapsódia
fundo soturno das
imagens encantadas.

Roubar do infinito
as palavras ditas
pretensão do sim.

Meus desejos,
ilusões deste mundo
que reza a solidão.

As letras das canções
que se separam e se
juntam,
numa insuportável,
interminável serenata
em despedida

Pode você enxergar
tudo que se foi
e ouvir?

Lembre-se daquele telhado
no subúrbio, atravessado
pelo trem da memória.


Jacob Pinheiro Goldberg
Minas Gerais -1.933-

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Código


A alma em código e o peito em barras - de ferro.
Berro teu nome e me debato contra limites de seda,
de cetim,
bom senso,
coerência, conseqüências e desfaleço nua
depois de rebentar minha própria pele
e estilhaçar minha própria medida.
Sou um eterno reerguer de torres,
um eterno reconstruir de pontes
e teu ofício é ser meu céu e meu horizonte.

Escrito por Ticcia às 08:44 de 14.06.2004

terça-feira, 1 de setembro de 2009

domingo, 30 de agosto de 2009

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Sonhos


E então há um lugar para onde vão
os sonhos que a gente desacredita,
onde moram os anéis que perdemos,
os brincos descasados,
o pé de meia preferido,
o batom engolido pela bolsa.
Há um lugar,
um sumidouro,
para onde são tragados os sorrisos que não voltam,
o cheiro do cabelo,
um colarinho manchado,
o perfume na manga do vestido,
teu nome no bilhete,
um gosto de vinho grudado na língua.
Ficam lá,
suspensos numa órbita improvável e inacessível,
ao som de três ou quatro frases
para sempre repetidas que a gente procura esquecer.
E um dia esquece.



Escrito por Ticcia às 08:48 de 18.02.2008

domingo, 16 de agosto de 2009

Adrilim




O tempo, esse animal antigo e arredio,
de garras e asas,
que ora nos imobiliza,
ora nos escapa.
O tempo das certezas que atrasa,
das alegrias que se esvai,
das tristezas que enguiça,
das saudades que derrapa.
O tempo,
esse velho decrépito que nos põe reféns dos dias,
que nos tatua os anos no rosto,
cada vez que sorri,
nasce de novo.

Escrito por Ticcia às 07:03 de 11.04.2006

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

segunda-feira, 27 de julho de 2009

domingo, 12 de julho de 2009

Aleph II


A fome das coisas incertas a que me remete tua voz,
fome imprecisa e ambulante que ora tenho nas mãos,
ora tenho nos olhos, ora pede-me asas,
ora crava raízes no chão.
A fome vaga do cheiro dos teus cabelos,
a fome oca do teu abraço longínquo,
essa fome voraz que devoraria o ar que respiras,
a fome triste dos lugares vazios que ocupaste.
Fome de dias invividos, fome de antes,
fome de quando,
fome dos ses guardados embaixo da cama.


Escrito por Ticcia às 07:48 de 25.07.2006

sábado, 4 de julho de 2009

terça-feira, 30 de junho de 2009

Kόσμος


Não sabia que te queria,
mas quando sorrias,
via as estrelas se deitando comigo.
Não sabia que te gostava,
mas quando passavas,
partiam contigo minhas loucuras inconfessas
emaranhadas nos teus cabelos.
Não sabia que não te esquecia,
mas quando te recordava,
refazia cada um dos passos rumo a mim mesma.
Não sabia que te desejava,
mas quando falavas,
tua voz lavava o pó do meu caminho.
Não sabia que sofria,
mas quando não te via,
me distraía queimando um a um
todos os meus brinquedos.
Não sabia que te amava,
mas enquanto desesperada te buscava,
me perdia entre os dedos da mão que segura
o tempo que passou por nós.


Escrito por Ticcia às 09:22 de 11.05.2004

domingo, 21 de junho de 2009


Uma noite em que minha vida é feita de vento,
constante e frio como os que habitam despenhadeiros.
Uma noite de breus e sombras
e de velas que queimam em bicos góticos,
uma noite em que o medo entra manso
e se posta aos meus pés como um tapete macio
e a solidão desce cortante como um gole de água ardente.
Em algum lugar há mães embalando seus filhos.
Acaricio a gata que ronrona deitada em meu peito
e duas lágrimas grossas deslizam resignadas.
A cama me espera com seus grandes braços brancos vazios.
Tomo mais um gole de vinho que me beija e me deseja bons sonhos.

Escrito por Ticcia às 01:43 de 26.10.2003

sábado, 13 de junho de 2009

terça-feira, 9 de junho de 2009

Essências



Tenho-te em tuas umidades,
no calor do teu abraço
e nas gotas de suor
que se espalham pelo teu corpo.
Tenho-te em tua pele lisa,
teus cabelos colados,
teus pêlos grudados, teu visgo,
tuas águas, teus caminhos de charcos,
os pequenos rios no teu pescoço,
o sabor salgado do lóbulo da tua orelha,
tua testa brilhante, tuas narinas abertas,
tuas pupilas dilatadas.
Tenho-te em alta temperatura misturado a mim,
confundido em líquidos e sumos,
sede e fonte, mar em onda, céu de chuva.
Tenho-te emaranhado e deslizante,
em vapor e respingos, em poros abertos,
em cheiro de bicho, em cio de gente.
Tenho-te na língua que colhe o gosto,
nos lábios que escorregam,
na boca que dança lúbrica por frestas molhadas
e se embriaga de essências profundas,
de perfumes e cansaços.
Tenho-me docemente embebida por ti.

Escrito por Ticcia às 10:56 de 24.11.2008

quinta-feira, 4 de junho de 2009

sábado, 30 de maio de 2009

quarta-feira, 27 de maio de 2009

domingo, 24 de maio de 2009

Red Roses For A Blue Lady


Não entendo o que há nos teus olhos
que molha minhas mãos
e me faz querer me evadir,
e te abraçar, sumir e te beijar,
me esconder e te pedir para ficar.
Não sei mais onde poderíamos nos achar,
depois de termos tentado tanto nos perder,
onde poderíamos encontrar aqueles dois de nós
que tratamos de admirar e esquecer.
Temo os teus olhos porque
temo as obviedades das minhas contradições,
as traições de mim mesma
e as mentiras costuradas cuidadosamente
de bom senso e ponderação.
Temo os teus olhos porque temo ver
o que queria tanto e temo que tudo o que eu queria
já dos teus olhos tenha desertado.
Temo os teus olhos tanto quanto amo teu olhar
e continuo sem saber se me escondo
ou se te peço para ficar.
De uma forma ou de outra,
é sempre domingo.


Escrito por Ticcia às 12:26 de 28.04.2004

quarta-feira, 20 de maio de 2009

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Goretidias


Conflito

Tingi de roxo o espelho do meu vazio,
O reflexo de ausências desmedidamente dolorosas
E batalhei num conflito de querer e dever.
Entreguei-me ao vento que me esmagou
Num tempo de barcos naufragando,
Contra as rochas de uma praia deserta,
Perigosamente lógica…
E no espaço das minhas velas de nau à deriva,
Se ousaram instalar relógios de cuco,
Presos por fios de consciência
Perfidamente papagueada…

E das moléculas que de mim brotaram
em cascata um dia Nada sei,
Para além da linha de brilho
Cada vez mais longe…

Goretidias

domingo, 10 de maio de 2009

Mãe


Deito entre uma palavra e outra
e deixo que os sons me cubram,
me fecundem, me emprenhem.
Quero o verbo a habitar meu ventre,
a crescer em minhas entranhas
para rebentar novo do de dentro,
cheio de meu sangue, da minha placenta.
Quero me perpetuar em linhas,
me estampar em versos,
me traduzir em signos
porque cada vez que me criptografo,
me decodifico;
cada vez que me verto em metáforas,
mais nítida a minha imagem no espelho.
Sou uma larva que se descobre crisálida
para saber da vida rastejante que a povoa
e das suas promessas de asas.

Escrito por Ticcia às 12:11 de 21.04.2004

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Devora-me


Devora-me os olhos,
grandes bocas negras escancaradas
de cílios e ânsia.
Devora-me a pele,
deserto de areia e alíseos em teu percurso.
Devora-me os seios,
o molde e fruto perfeito em tuas mãos.
Devora-me as pernas,
algas serpentes armadilhas do teu barco.
Devora-me a boca,
esconderijo secreto das nossas blasfêmias.
Devora-me as mãos,
pequenos moluscos sugados por tua língua.
Devora-me os cabelos,
rédeas e arreios da tua fúria.
Devora-me o ventre.

Escrito por Ticcia às 03:49 de 03.01.2006

terça-feira, 5 de maio de 2009

A Santa dieta


Seis mexericas e uma lua cheia
maduras no infinito do espaço
Prenunciam vida na natureza.
À espera da alegoria
De uma nova promessa.
Semana que vem
eu começo

domingo, 3 de maio de 2009

Despertar


Foi quando tu chegaste que descobri
meu solo e minha pátria,
que deixei o exílio
e dei um nome à terra de que sou feita.
Porque tu tens uns olhos que
se perderam no mar
e voltaram depois das tempestades
com a dor de quem mais uma vez pôde ser salvo.
Porque teus braços me resgataram,
neles desfiz minhas fronteiras
e me tornei contigo um mesmo horizonte
que junta infinitos de céu e água.
Porque tua voz me conta coisas outras
enquanto falas e tu sabes o que eu ouço
e não temes que eu saiba
sobre todos os teus medos.
Porque tu dizes meu nome de olhos fechados,
afundado em minha carne
e a noite toda lateja dentro de mim
e o ruído do mundo cessa para que
eu possa me lembrar só da tua voz dizendo
o meu nome longe de todas as coisas.
Porque tuas mãos falam a língua da minha pele
e enfeitam meus cabelos de pequenas
conchas e musgos para que eu encontre
os sentidos que eu supunha
naufragados para sempre.
Porque eu já não poderia me entregar
a mais ninguém sem voltar a ser estrangeira
em mim mesma, sem ser de novo uma
estranha atrás de meus próprios olhos,
sem desertar para sempre do meu corpo.


Escrito por Ticcia às 09:36 de 22.10.2008

sábado, 2 de maio de 2009

Pudesse eu


Pudesse eu, vez por outra,
me cercaria de ti.
Teria-te ao redor da cintura,
sobre os ombros, entre os dedos,
quem sabe à volta,
represa sólida para águas furiosas.
Pudesse eu, vez por outra,
tu serias recipiente,
compartimento, fronteiras e,
a um só tempo,
o referencial das distâncias.
Teria eu teus braços em remanso
na proximidade azul das manhãs,
tuas pernas de limite na vazante vertente
das noites e não temeria o curso caudaloso
dos rios sobre o peito.
Pudesse eu, vez por outra,
te cercaria de mim.

Escrito por Ticcia
às 11:16 de 06.04.2005

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Vinho


Vinho quente

Escorregas em mim quente,
Doce.
Adivinho-te pelo odor puro,
Frutado.
E apeteces-me…
Tua cor de sangue desperta-me o desejo
De te ter assim meu, nosso…
Ardente,
Quente!
Não te bebo,
Saboreio-te na lucidez da noite,
Brindo à lua que se despe devagar,
Pálida, invejosa.
Mas és só meu e escorregas em mim…
Quente,
Ardente…

Vera Silva

terça-feira, 28 de abril de 2009

Robin Hood


Nottinghamshire ou Sherwood?

Documento> refuta lenda de Robin Hood>Documento(aqui)
refuta lenda de Robin Hood

segunda-feira, 27 de abril de 2009

O Despertar dos Mágicos


É por falta de imaginação
que os letrados,
os artistas vão procurar
o fantástico fora da realidade,
entre as nuvens.
Trazem apenas um subproduto.
O fantástico,
à semelhança das outras matérias preciosas,
deve ser arrancado às entranhas da terra,
do real.
E a verdadeira imaginação
é coisa muito diferente de uma fuga para o irreal.
"Nenhuma faculdade do espírito se afunda
e penetra mais que a imaginação":
é ela a grande mergulhadora.

Louis Pauwel e Jacques Bergier

sábado, 25 de abril de 2009

Gênesis 1:28


Se tu viesses ver-me

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços…

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca… o eco dos teus passos…
O teu riso de fonte… os teus abraços…
Os teus beijos… a tua mão na minha…

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca…
Quando os olhos se me cerram de desejo…
E os meus braços se estendem para ti…

Florbela Espanca - Charneca em Flor