sábado, 28 de novembro de 2009

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Nuloith
























A casa tem espaços desertos,
tem noite escondida e um vento
que surge de lugar nenhum.
A casa dói pelas paredes e se encolhe nos cantos,
apodrece as flores nos vasos e tranca as portas por dentro.
A casa engole o ar,
respira para dentro e vai se apequenando
como um novelo de suspiros cada vez mais curtos.
A casa quase se asfixia,
em sua insuficiência azul entrecortada
e se esparrama pelas escadas em busca de terra,
em busca de chão frio junto aos ladrilhos.
A casa não dorme,
estala madeiras e espreita ressentida
pelas frestas quem não passa pela calçada.
A casa desmorona secretamente,
esconde os brinquedos quebrados no sótão
e cospe baratas dos ralos. Aqui não mora mais ninguém.
Escrito por Ticcia às 07:18 de 11.09.2006

domingo, 8 de novembro de 2009

Cobalt


Não viverei entre cacos de vidro,
entre navalhas,
entre pontas de lança envenenadas de culpa.
O que me pertence nasce e morre comigo,
foi inventado em meus olhos
e dorme sob mechas dos meus cabelos,
se nutre do meu ventre.
Não viverei entre víboras, entre escorpiões,
entre ratos de lembrança.
Não viverei aqui, à míngua, não tenho âncora, tenho asa.
Não viverei entre lixo, entre restos,
entre escombros do teu passado.
O que sinto é profundo mas não traz em si a covardia de uma raiz fincada,
sou móvel, líquida, fluida e instável, porque viva.
Não viverei entre galhos, entre espinhos,
entre as folhas mortas do que descartaste.
Não tenho freios, tenho partidas.
Não tenho sossego, tenho ardor.
Não viverei entre areia, entre pedras,
entre abismos de promessas que se foram.
Meus trilhos se trifurcam, quadrifurcam...
e eu sigo por todos eles.
Não viverei entre miséria, água pouca, migalhas de desejo.
Minha mesa é farta e eu mesma me darei de comer.

Escrito por Ticcia às 11:30 de 31.03.2003

sábado, 7 de novembro de 2009

Livre Leve e Solta


Descubro a fome que desde sempre quis que me habitasse,
que desde sempre esperei tomar meu corpo e o seu de dentro,
uma fome que encontra saciedade e mais de si porque saciada,
uma fome que se extingue e renasce porque pôde ser extinta.
Gozo em mim a fome e gozo mais seu aplacar,
porque a possibilidade de ser aplacada a define como a fome
pela qual eu esperei por tanto tempo
faminta daquilo que não se fazia,
daquilo que de tão raso,
era o suposto inalcançável,
daquilo que de tão incompleto,
parecia a suposta completude.
Tenho enfim a fome que finda e que em si se refunda,
não para me por a procurar além,
mas para encontrar-me em mim.
Bendita seja esta fome saciada-a-saciar que me apascenta e liberta,
que me enaltece e amplia.
Encontro enfim a fome de mim mesma,
desta de mim mesma que pude vir me fazendo,
que tenho sido,
que descobri comigo desde que tu me trouxeste contigo.

Escrito por Ticcia às 04:04 de 27.08.2008

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

...Lá e Cá!!!



Sorrio e meu sorriso encerra um tempo,
um vento morno que já não sopra
para além dessas janelas.
Meu sorriso tem um tanto do que em ti me permiti sorrir
e dos sorrisos que comigo sorrias aos poucos,
em pedaços, avencas nos vasos da sacada,
canela no café com leite.
Meu sorriso ficou preso entre aquelas paredes
que tem ainda o sol das tardes de outono,
por onde passeia tua sombra por vezes sobre a minha,
prestes a te receber assim que lembrares que porta deves abrir.

Escrito por Ticcia às 05:00 de 31.05.2004

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Splash


Tenho em mim a voz do alto muro,
um escuro intrépido e faminto,
flores escondidas nas pálpebras
e habitantes mais antigos do que a própria terra.
Vou me descobrindo louca e fêmea
e em meu corpo vão sendo tecidas heras,
vão sendo abertos abismos,
vão nascendo rios.
Estranho o oculto pesar desse singular parto,
em que me perco para redescobrir minha forma,
em que nasço em partes cada vez mais claras,
cada vez mais líquidas,
cada vez mais perto do sol.


Escrito por Ticcia às 08:40 de 22.05.2007

domingo, 1 de novembro de 2009

Ardipithecus


Desde sempre, desde o início,
dos primórdios,
desde antes de qualquer outra coisa,
amei tuas mãos.
Essas mãos de promessas insuspeitas,
cada uma um hemisfério,
um território, um continente,
um oceano onde vivem peixes e moréias,
anêmonas e corais.
Amei tuas mãos e sua cor de canela,
seu toque de lã, seus gestos de força,
sua vocação de ninho e afago,
suas vontades secretas reconfigurando meus relevos,
se enchendo dos meus cabelos,
umedecendo em meus lábios.
Amei tuas mãos sobre as minhas,
conchas da minha pele,
laços dos meus dedos,
grandes pássaros cheirando às viagens que fizeram.
Amei tuas mãos cheias de memórias de outros corpos,
que voltaram para casa quando tocaram o meu.

Escrito por Ticcia às 12:56 de 19.01.2006